sábado, 31 de janeiro de 2009

Juanita, mi cariño...


Sábios de outros tempos já o fizeram. Pensando rápido, creio que o maior sábio que já se devotou a tal exercício foi Charles Baudelaire, pai de todos os modernos, o homem que sintetizou o capitalismo em suas mais sutis contradições, sem, é claro, ter a deselegância de chamá-lo capitalismo. Vem-me também a mente o genial filho da revolução industrial, do seu progresso e de seu desenraizamento, Thomas De Quincey. Como esquecer-se também do companheiro Walter Benjamin, com quem tive o prazer de protagonizr os debates no 1.o congresso internacional de judaico-trotskismo em meados da década de 20. O estudo dos 'paraísos artificiais', título do livro de Baudelaire, seus efeitos e suas potencialidades, é exercício recorrente na modernidade. Talvez ninguém o tenha levado a cabo como projeto de maneira mais radical e profunda do que Timothy Leary, acadêmico de Harvard que, na década de 60 transformou o uso de cogumelos, mescalina e, principalmente, do LSD em projeto de transformação social e de releitura de algo tão estranho à razão ocidental como 'O Livro Tibetano dos Mortos'. Hunter Thompson, Willian Burroughs, o chatíssimo Jack Kerouac... e finalmente Boris Zimmerman.


Meus tratados sobre a vodka e o makhourá são trabalhos de pouco valor, porém algumas percepções que hoje me aparecem com grande luminosidade já se encontravam veladas no texto. Chegando a NY, no entanto, enquanto meus colegas se entusiasmavam com o uso da cocaína (tão rico em simbolismos que não estenderei o comentário nesse post), tornei-me um ávido bebedor de café. Café é uma droga bem bacana. Quase não te faz mal e produz efeitos em distintas dimensões do psique humano, podendo ser vastamente apreciado. Para aqueles a quem falta a elegância e a calma para conhecer seu próprio organismo e identificar as sensações que afloram lentamente nele quando ingerimos qualquer substância que nosso corpo consiga processar, de pão de forma à heroína, o café é somente um estimulante que evita o sono e a preguiça, além de ser amargo o suficiente para que se possa tomar com muito açúcar, o que uma espécie de recalque impede normalmente (processo semelhante ocorre com o azedo do suco de limão). Porém para aqueles que têm a serenidade e o refinamento para apreciá-lo, além de uma das melhores bebidas quentes consumida pela humanidade (que deve, naturalmente, ser degustada sem a adição de açúcar), trata-se de um potencializador da atividade cerebral, biologicamente falando e da profissão de fé da sabedoria, socialmente falando. Além disso, o café dá vida ao sistema circulatório, ânimo e força para uma pessoa cansada.


O café, objetarão alguns, não sem alguma ponta de razão, não pode ser considerado exatamente um paraíso artificial. Embora dê ânimo e permita ao corpo trabalhar em capacidade plena, não nos fornece os instrumentos para a fuga, que Baudelaire elogia no vinho e acusa no haxixe, no que só posso considerar um lapso de moralismo. Ao contrário, o café nos permite, e aí reside seu maior trunfo, experenciar o mundo com fria objetividade, sem, no entanto, jogar-nos para fora dele como uma primeira intuição pode julgar necessário.

Admitida a crítica dos apressadinhos, sigo o relato. Em novembro 1959, conheci uma bela garota hispânica cujo nome, Juanita, ainda ecoa nos mais obscuros recônditos dessa alma cansada. Passávamos horas no meu apartamento na 22.a com a 5.a, dedicados simplesmente a servir um ao outro. Juanita trouxera do México uma planta, que, seca e moída, fumávamos à exaustão. Por muito tempo a maconha serviu para mim como mero tempêro para intenso prazer conjugal. Sim, pois entre um baseado e outro, intercalávamos o amor carnal e o prazer palatal, ambos intensificados pela mágica canabinal. Naquele mês e pouco de frio e neve, meu apartamento foi seguramente o mais caloroso refúgio de todo o hemisfério setentrional. Um dia, Juanita sumiu. Procurei-a por toda a parte e nada de mi cariño. Deixou para trás, no entanto, aquela sacola verde e laranja cuja função ainda preservo. Preservo, pelo ato implícito de lealdade de uma alma livre, à qual o calor e o acolhimento oprimiam, mas que me deixara aquela bolsa como sinal de seu constrangimento em partir.


Reconhecendo o fim, voltei pouco a pouco aos velhos círculos, porém nunca mais deixei de lado aquela verde delícia. Entretanto, alguns de seus efeitos eram bastante indesejáveis. Em tempos de maiores agruras, a droga me deixava particularmente apático, quando não me dava sono simplesmente. Além disso, embora a música tivesse ganhado contornos novos e antes inimagináveis, fui perdendo aos poucos a capacidade de sentar e ler por horas a fio (e como mais aproveitar a literatura?).


Em 1961 meu primo Robert chegou a NY. Recebi-o em casa e lá ele fumou seu primeiro baseado. Bobbie realmente tomou gosto pela coisa, mas aos seus 20 anos tinha uma energia impressionante e ficar em casa ouvindo jazz não parecia dar-lhe qualquer prazer. No afã de acompanhá-lo, um dia decidi deixar para fumar o baseado só nas altas horas da madrugada. Fiz então um café forte (um colega acabara de trazer um café do Brasil) e fui chamar Robert para sairmos. Porém, o inquieto rapaz tinha um baseado prestes a ser aceso em mãos. Até então nunca me ocorrera juntar o café à maconha. Entretanto, ao simplesmente intuir a possibilidade, antes mesmo de consumir qualquer um deles, já pressenti o sucesso da junção. Sim, era claríssimo. Por um lado a maconha adicionava mágica e vida aos elementos que o café tornava meros objetos. A maconha lhes dava uma história e um significado último e a realidade passava a pulsar em toda sua dureza e encanto. Ao mesmo tempo, o café combatia a apatia e o sono das folhas da Juanita. A sinfonia do mundo que se revelava a cada trago podia agora ser apreciada com a austeridade merecida, ser encarada nos olhos sem se perder numa desesperada e deliciosa risada, resultado tão comum dos esforços mais profundos de compreensão no momento da viagem.


Os efeitos psicológicos não são, porém os únicos encantos da combinação. O café quente e amargo mostra-se um perfeito bálsamo para contrabalancear os efeitos, duros na garganta, da densa fumaça que se deixa inalar. Aliás, fumaça e bebidas quentes são sempre uma combinação bacana.

Há quem faça associação imediata entre a canabis e o bucolismo. Nada mais precipitado e questionável. Se, por um lado, a maconha permite que apreciemos todas as belas coisas e tornemos a estética um ponto nevrálgico da ética, o que leva a estupefação frente às grandiosas paisagens que transcendem a pontual existência humana, é absolutamente precipitado tornar essa relação exclusiva. A paisagem urbana é cheia de fascínios e mistérios. Morte, vida e sons.
Posso afirmar, e devo a um sábio colega a constatação, que poucas experiências em toda a história de existência da espécie se comparam a dirigir fumando e ouvindo música (refiro-me somente àquelas atividades que não exigem intenso esforço subjetivo, ou seja, experiências cotidianas não transcendentais). Além disso, o que é mais urbano do que a música das guitarras elétricas ou dos metais rasgados que podem fazer sentir punções na espinha um hábil embriagado. O café tem papel central nessa articulação, permitindo o caminhar seguro por um jardim encantado, que tanto tem de belo como de aterrorizante.


Se Bobbie me deve por ter-lhe apresentado a maconha (o que, fiquei sabendo, ele adotou como hábito para com seus amigos), eu devo-lhe, pelo incidente relatado, a descoberta. Nunca esqueci Juanita, porém certamente esqueci de muita coisa por causa dela...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Longa vida ao Zeca

Camaradas,

O sábio Zeca Pagodinho comemorará no próximo dia 4 seu cinquentenário. É a marca da longevidade de uma vida dedicada à introspecção e auto-conhecimento. Parabéns!

Zeca está nesse momento se recuperando de um resfriado. Que sua saúde continue sempre forte! Que sua sabedoria continue inspirando gerações!

Luz no fim do túnel

Camaradas,

Vi no jornalzinho local uma notícia muito animadora: Dona Alaíde vai abrir um bar com o velho Chico. Será o novo templo. Revigorei meu credo.

tendo dito, até!